Estavam perante uma a árvore com alto saiote de ferimentos e cicatrizes. De tão martirizada, a casca da pobrezita crescera na parte inferior em desproporção com a cimeira e dir-se-ia postiço esse revestimento de rugas negras, de algumas das quais brotavam filamentos de “sernambi”.
Firmino meteu a mão
entre um grupo de plantas e de lá tirou o machadinho, que era um dos poucos
diminutivos bem empregados na selva.
_Isto é que é a
seringueira?
_É, é. Ah, você ainda
não conhecia?...
Pôs-se nos bicos dos
pés e começou a lição:
_Olhe, você. Pega-se
no machadinho e se corta assim... Está vendo? Assim, que é para não arrancar a casca
e não fazer mal ao pau. Quando se arranca a casca, os empregados vão fazer
queixa de nós ao seu Juca.
Levou o braço a um
arbusto seco, em cuja extremidade, cortada para o efeito, se borcavam, enfiados
uns nos outros, cinco receptáculos de folha, que tinham base redonda e iam
alargando até a boca, onde não caberia uma mão fechada.
_ Isto são as
tigelinhas. Se espeta elas na seringa, pelas bordas. Assim...É preciso ter
cuidado para que a folha fique segura, senão a tigelinha cai e o leite escorre
todo para fora. Está compreendendo?
_ Estou, estou..
Em cinco pontos
diferentes, todos à mesma altura, em volta do tronco, Firmino golpeou a árvore.
_Cada seringueira
leva tantas tigelinhas conforme for a grossura dela. Uma valente, como aquele
piquiá que você está vendo ali, pode levar sete. Uma assim como esta, leva
cinco ou quatro, se estiver fraca. Corta-se de cima para baixo, e quando se
chega abaixo, o machadinho volta acima, porque a madeira já descansou. Seringueiro
malandro faz mutá, mas aqui é proibido.
_ Que é isso?
_Vamos que eu já
lhe explico. Mutá é fazer um jirau com galho de árvore e ir cortar a
seringueira lá em cima, junto à folha. A princípio, dá mais leite; mas depois,
morre.
A mancha, até agora obscura, da plantaria
rasteira e dos arbustos que prolongavam a sombra em que vivia a terra, adquiria
já seu verde natural. A luz conseguira, enfim, transpassar o cerrado e acendia
agora as suas vistosas lâmpadas em todos os desvãos. E não era só claridade
flutuante, como pó bem peneirado; era o sol que fabricava joias refulgentes nos
troncos das árvores- anéis de diademas que matavam o ar soturno das princesas
da floresta. Aquecia e ia-se tornando mais enigmático o silêncio.
Ferreira de Castro
(1898-1974)
A Selva. Obras
completas, volume 1. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1958, p 152-3.
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