Por falar em inspiração lenta, levei apenas dois anos para escrever O nome da rosa, pela simples razão de que não precisei fazer nenhuma pesquisa sobre a Idade Média. Como disse, minha tese de doutorado foi sobre estética medieval, e dediquei estudos posteriores à Idade Média. Ao longo dos anos, visitei muitas abadias românicas, catedrais góticas e assim por diante. Quando decidi escrever o romance, foi como se abrisse um grande armário no qual, durante décadas, vinha depositando meus arquivos medievais. Todo aquele material estava ali aos meus pés e eu só tive de selecionar o que precisava. Para os romances subsequentes, a situação foi diferente (embora, se selecionasse determinado assunto, era porque eu já tinha alguma familiaridade com ele). Foi por isso que demorei mais para escrever meus romances posteriores- oito anos para O pêndulo de Foucault, seis para A ilha do dia anterior e para Baudulino. [...]
O que faço durante os
anos de gestação literária? Coleciona documentos; visito lugares e desenho
mapas; tomo nota de plantas de edifícios. Ou as vezes de um navio, como foi o
caso de A ilha do dia anterior; e
esboço o rosto dos personagens. Para O nome
da rosa, fiz retratos de todos os monges sobre quem escrevi. Passo esses
anos preparatórios uma espécie de castelo encantado – ou se preferirem, num
estado de retiro autista. Ninguém sabe o que estou fazendo, nem a minha família.
Dou a impressão de realizar uma série de atividades distintas, mas estou sempre
concentrado na captura de ideias, imagens e palavras para minha história. [...]
Na preparação de O pêndulo de Foucault, passei
noite após noite, até a hora do encerramento, andando pelos corredores do
Conservatoire des Arts et Métiers, onde sucedem alguns dos principais eventos
de minha história.
[...] Para narrar
algo, você começa como uma espécie de demiurgo criador de um mundo – um mundo
que precisa ser o mais fiel possível, de modo que você possa locomover-se nele
com total segurança.
[...] Durante os
preparativos para a criação de A ilha do
dia anterior, evidentemente viajei para os Mares do Sul, para a exata
localização geográfica onde o livro se passa, a fim de contemplar as cores da água
e do céu em horas diferentes do dia, além dos matizes dos peixes e dos corais. Mas
também passei dois ou três anos estudando os desenhos e os modelos de embarcações
da época, para descobrir as dimensões de uma cabine ou de um compartimento e
para saber como locomover-se de uma até o outro.
Umberto Eco
(1932-2016)
Confissões de um jovem romancista. Tradução de
Marcelo Pen. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p 13 a 18.
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