Nabakov observa que no começo de Ana Karenina, no texto russo, a palavra «casa»
aparece oito vezes em seis frases e que esta repetição é um artifício deliberado
da parte do autor. Entretanto, na tradução francesa, a palavra “casa” aparece
apenas uma vez, na tradução tcheca não mais de duas vezes. No mesmo livro, em
todos os lugares em que Tolstoi escreve “skazal” (disse) encontro na tradução
proferiu, retorquiu, replicou, gritou, tinha concluído etc. Os tradutores são loucos
pelos sinônimos. (Rejeito a própria noção de sinônimo: cada palavra tem seu
sentido próprio e é semanticamente insubstituível.) Pascal: “Quando num
discurso se encontram palavras repetidas e ao tentarmos corrigi-las as achamos
tão apropriadas que estragaríamos o discurso, devemos deixá-las, é a marca do
discurso. ” O refinamento lúdico da repetição no primeiro parágrafo de uma das
mais belas prosas francesas: “Eu amava perdidamente a Condessa de...; eu tinha
vinte anos, e era ingênuo; ela me enganou, eu me zanguei, ela me deixou. Eu era
ingênuo, lamentei-me; eu tinha vinte anos, ela me perdoou: e como eu tinha
vinte anos, era ingênuo, sempre enganado, mas nunca abandonado, eu me acreditava o amante mais amado, portanto o mais feliz dos homens...”(Vivant
Denon: Point de lendemain.)
Milan Kundera (1929-)
A arte do romance. Tradução de Teresa Bulhões
C. da Fonseca e Vera Mourão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p 126-27.