[...] E assim passaram dias, semanas, meses.
Agora, já na rotina, levantava-se às três horas, bebia café e carregava consigo
o sanduíche duplo que a mulher de Rasseneur preparava na véspera. [...] Como os
outros, tinha o seu pano para amarrar na cabeça, suas calças e jaqueta de
trabalho, tiritava e aquecia as costas no fogão do vestiário. Depois vinha a
espera, descalço, na recepção entrecortada por violentas correntes de ar. Mas a
máquina de grossos membros de aço enfeitados de cobre, luzindo lá em cima, no
escuro, não o atemorizava mais, nem os cabos a pique, voltejando como asas
negras e silentes de pássaro noturno, nem os elevadores emergindo e mergulhando
sem descanso em meio ao barulhão dos sinais, das ordens bradadas, dos vagonetes
estremecendo o chão de ferro. Sua lâmpada iluminava mal, o maldito lanterneiro
seguramente não a limpara... Ele só despertava realmente quando o jovem Mouque
os empurrava para dentro do elevador com grande estardalhaço, dando palmadas
retumbantes nos traseiros das moças. O ascensor desprendia-se, caindo como uma
pedra num poço, sem que ele sequer virasse a cabeça para ver a luz
desaparecendo. Jamais pensava na possibilidade de uma queda, sentia-se em casa à
medida que afundava nas trevas sob a chuvada violenta. Embaixo, na expedição,
assim que Pieron abria as portas do elevador com seu ar hipócrita de humildade,
era sempre o mesmo tropel de rebanho, os grupos partindo para os seus filões a
passo arrastado. Agora, ele já conhecia melhor as galerias da mina do que as
ruas de Montsou, sabia onde tinha que dobrar, onde abaixar-se ou evitar mais
adiante uma poça. Habituara-se tanto àqueles dois quilômetros subterrâneos que
poderia percorre-los sem lanterna com as mãos nos bolsos. E todos os dias eram
os mesmos encontros [...]
Com o tempo, Etienne começou a acostumar-se à
umidade e ao abafamento do filão onde trabalhava. O respiradouro já lhe parecia
fácil de subir, como se estivesse encolhido e pudesse agora passar por fendas
onde antes não teria ousado enfiar a mão. Respirava sem dificuldade a poeira do
carvão, via muito bem no escuro, suava tranquilamente, adaptado à sensação das
roupas molhadas colando-se ao corpo da manhã à noite. E mais, já não gastava
inutilmente suas forças, adquirira rapidamente uma destreza que espantava os
companheiros. Ao cabo de três semanas era citado entre os bons operadores de
vagonetes da mina: ninguém melhor do que ele rodava seu vagonete até o plano inclinado
embalando-o a seguir com tanta correção. Sua pequena estatura lhe permitia
entrar em qualquer lugar, seus braços, apesar de brancos e finos como de
mulher, pareciam de ferro sob a delicadeza da pele, tanta força punham no
trabalho. Nunca se queixava, sem dúvida por orgulho, mesmo quando já não podia
mais de tanto cansaço. Acusavam-no apenas de não saber brincar, ficava logo
todo eriçado assim que alguém lhe fazia uma piada. Com o tempo acabou sendo
aceito e olhado como um verdadeiro mineiro, escravizado pelo hábito que o
reduzia um pouco cada dia à função de máquina.
Zola, Émile (1840-1901)
Germinal. Tradução de Francisco
Bittencourt. São Pulo: Editora Martin Claret Ltda., 2006, p 120 121.
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