Havia dezoito anos que Henry Ford tinha
conquistado o título de patrão modelo, guia e instrutor de todos os outros patrões
da América. Durante esse tempo tinha publicado quatro livros assinados com o
seu nome, uma centena de artigos em revistas e só Deus sabe quantas
entrevistas. Agora era ocasião de se perguntar que resultados tinham dado as
suas teorias. A resposta é a seguinte: Henry era o homem mais odiado de toda indústria
automobilística. Qualquer de seus trabalhadores que comprasse um dos números do
“Saturday Evening Post” e lesse os seus artigos sobre as condições ideais das fábricas
Ford, atiraria o jornal no chão e o pisaria com seus sapatos engraxados.
Havia anos que Henry afirmava ao mundo que a
máquina não era responsável pela falta de trabalho. Era fácil constatar. Nas fábricas
de River Rouge montavam-se novas máquinas tão rapidamente quanto eram
inventadas e construídas. Vinte homens que tinham por tarefa fabricar uma determinada
peça, viam, da noite para o dia, montarem uma nova máquina; ensinavam um deles
a manobrá-la e ela realizava o trabalho dos outros dezenove! Esses não eram
despedidos imediatamente, parece que havia uma certa regra que não o permitia.
O capataz os encarregava de outros trabalhos, começava a meter-lhes a espada
nos rins, e os homens já sabiam o que isso significava.
Quantos pretextos se usavam para se desvencilharem
deles! Ao lado da casa de Abner morava um amigo seu que trabalhou durante dezessete
anos na companhia e que foi despedido porque tinha começado a limpar os braços
sujos de graxa alguns segundos antes da sirena tocar. Na outra quadra, vivia um
rapaz que tinha sido mensageiro, mas que cometera o crime de parar um instante
para comprar uma barra de chocolate. Havia mil cantinhos nos regulamentos nos
quais os “raposas” podiam agarrar um empregado. Um capataz tinha falado com um
dos empregados; era contrário ao regulamento: rua! Dois operários tinham
discutido durante o trabalho; era contrário ao regulamento: rua com os dois!
Despedia-se pelo simples esquecimento de por o distintivo no peito, por demorar
alguns segundos de mais na patente, por comer a merenda sentado no chão, por
falar com os operários da turma que vinha substituir a que estava trabalhando. Às
vezes não era preciso cometer nenhuma dessas faltas; bastava que um dos ex-
pugilistas do “serviço de vigilância” assegurasse que o operário tinha feito. Não
havia recurso de espécie alguma.
Se o operário era esperto e conhecia todos os
regulamentos, despediam-no de outra maneira: não tinham mais necessidade de
seus serviços, mas podia continuar com o distintivo, figuraria na relação do
pessoal e seria chamado assim que houvesse trabalho. Dessa maneira, camuflavam
as estatísticas; mas isso significava que todo trabalho estava interdito àquele
operário, porque o novo patrão indagaria onde tinha trabalhado antes, se
comunicaria com a fábrica Ford para averiguar, e, como é logico, não aceitaria
um empregado que fazia parte da Ford.
Esse estado de coisas piorava à medida que a
crise se prolongava. Os vinte e cinco mil operários que restavam foram forçados
ao limite, até caírem de cansaço. Seguidamente saía um de padiola, porque
homens assim esgotados não podiam atender a uma máquina sem se arriscarem a
acidentes. Sobre nenhum outro assunto Henry escreveu tão eloquentemente como a respeito
da importância da segurança, mas agora o seu “controle de segurança” tinha sua ação
anulada pelo seu “serviço de aceleração”, e murmurava-se na fábrica que o
trabalho estava custando uma vida por dia. Mas como ele tinha um hospital
particular, era impossível se obter qualquer cifra.
Sinclair, Upton (1878-1968)
Ford, o rei dos automóveis baratos.
Tradução de Casemiro M. Fernandes. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo,
1940. p 147-148.
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