terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Suíte do pescador

Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer
Adeus, adeus
Pescador não esqueça de mim
Vou rezar pra ter bom tempo, meu nêgo
Pra não ter tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
Perfumada com alecrim.

Dorival Caymmi (1914-2008)

https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45589/



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Força de trabalho não é mercadoria


É evidente que trabalho, terra e dinheiro não são mercadorias. Nenhum desses três elementos é produzido para a venda. O trabalho nada mais é do que os próprios seres humanos que fazem a sociedade; e a terra, o meio natural no qual cada sociedade existe. Incluí-los no mecanismo do mercado é subordinar a própria substância da sociedade às leis do mercado. [...] Trabalho é apenas outro nome da atividade econômica que acompanha a própria vida, a qual não é produzida para a venda, mas por razões completamente diferentes, e essa atividade não pode ser separada do resto da vida [...] Permitir que o mecanismo do mercado dirija sozinho a sorte dos seres humanos e do meio natural, e até dos salários e da utilização do poder de compra, teria como resultado destruir a sociedade. Pois a pretensa mercadoria cujo nome é “força de trabalho” não pode ser pressionada ou usada de um jeito qualquer, nem mesmo ser inutilizada sem que também seja afetado o indivíduo humano portador dessa mercadoria particular. Ao dispor da força de trabalho de um homem, o sistema teria a seu dispor a entidade física, psicológica e moral do homem ligado a essa força. Privados da cobertura protetora das instituições culturais, os seres humanos pereceriam.


Polanyi, Karl (1986-1964)


La grande transformation: aux origines politiques et économiques de notre temps. Paris: Gallimard, 1983. (tradução minha)



terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Despedidos da Ford


Havia dezoito anos que Henry Ford tinha conquistado o título de patrão modelo, guia e instrutor de todos os outros patrões da América. Durante esse tempo tinha publicado quatro livros assinados com o seu nome, uma centena de artigos em revistas e só Deus sabe quantas entrevistas. Agora era ocasião de se perguntar que resultados tinham dado as suas teorias. A resposta é a seguinte: Henry era o homem mais odiado de toda indústria automobilística. Qualquer de seus trabalhadores que comprasse um dos números do “Saturday Evening Post” e lesse os seus artigos sobre as condições ideais das fábricas Ford, atiraria o jornal no chão e o pisaria com seus sapatos engraxados.
Havia anos que Henry afirmava ao mundo que a máquina não era responsável pela falta de trabalho. Era fácil constatar. Nas fábricas de River Rouge montavam-se novas máquinas tão rapidamente quanto eram inventadas e construídas. Vinte homens que tinham por tarefa fabricar uma determinada peça, viam, da noite para o dia, montarem uma nova máquina; ensinavam um deles a manobrá-la e ela realizava o trabalho dos outros dezenove! Esses não eram despedidos imediatamente, parece que havia uma certa regra que não o permitia. O capataz os encarregava de outros trabalhos, começava a meter-lhes a espada nos rins, e os homens já sabiam o que isso significava.
Quantos pretextos se usavam para se desvencilharem deles! Ao lado da casa de Abner morava um amigo seu que trabalhou durante dezessete anos na companhia e que foi despedido porque tinha começado a limpar os braços sujos de graxa alguns segundos antes da sirena tocar. Na outra quadra, vivia um rapaz que tinha sido mensageiro, mas que cometera o crime de parar um instante para comprar uma barra de chocolate. Havia mil cantinhos nos regulamentos nos quais os “raposas” podiam agarrar um empregado. Um capataz tinha falado com um dos empregados; era contrário ao regulamento: rua! Dois operários tinham discutido durante o trabalho; era contrário ao regulamento: rua com os dois! Despedia-se pelo simples esquecimento de por o distintivo no peito, por demorar alguns segundos de mais na patente, por comer a merenda sentado no chão, por falar com os operários da turma que vinha substituir a que estava trabalhando. Às vezes não era preciso cometer nenhuma dessas faltas; bastava que um dos ex- pugilistas do “serviço de vigilância” assegurasse que o operário tinha feito. Não havia recurso de espécie alguma.
Se o operário era esperto e conhecia todos os regulamentos, despediam-no de outra maneira: não tinham mais necessidade de seus serviços, mas podia continuar com o distintivo, figuraria na relação do pessoal e seria chamado assim que houvesse trabalho. Dessa maneira, camuflavam as estatísticas; mas isso significava que todo trabalho estava interdito àquele operário, porque o novo patrão indagaria onde tinha trabalhado antes, se comunicaria com a fábrica Ford para averiguar, e, como é logico, não aceitaria um empregado que fazia parte da Ford.
Esse estado de coisas piorava à medida que a crise se prolongava. Os vinte e cinco mil operários que restavam foram forçados ao limite, até caírem de cansaço. Seguidamente saía um de padiola, porque homens assim esgotados não podiam atender a uma máquina sem se arriscarem a acidentes. Sobre nenhum outro assunto Henry escreveu tão eloquentemente como a respeito da importância da segurança, mas agora o seu “controle de segurança” tinha sua ação anulada pelo seu “serviço de aceleração”, e murmurava-se na fábrica que o trabalho estava custando uma vida por dia. Mas como ele tinha um hospital particular, era impossível se obter qualquer cifra.

Sinclair, Upton (1878-1968)


Ford, o rei dos automóveis baratos. Tradução de Casemiro M. Fernandes. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1940. p 147-148.


domingo, 10 de fevereiro de 2019

A Administração Científica do Trabalho não é científica

Aos não-iniciados ou àqueles que aceitam as afirmações da Administração Científica [do Trabalho] sem críticas, estudo de tempos é estudo de tempos, sempre com um objetivo definido, um método invariável e com resultados que são da natureza do exato e, portanto, conhecimento inquestionável. “O estudo dos tempos e movimentos” diz o Sr. Taylor, “é o método científico acurado através do qual a grande massa de leis que governam os melhores, mais fáceis e mais produtivos movimentos do homem é investigada”. “Ele substitui, na determinação de todas as condições de trabalho e pagamento, a opinião parcial por conhecimento exato”. Isso implicaria[...] que a tarefa baseada no estudo de tempos seria definida com precisão científica em referência às condições materiais, à capacidade dos trabalhadores empregados e às justas demandas que podem ser feitas a seu respeito. A cada trabalhador “é designada uma tarefa definida e por ele executável”, aí considerando o fator humano e os atrasos legítimos. Os resultados do estudo de tempo não seriam, portanto, um objeto legítimo de negociação, já que participariam da natureza do fato científico objetivo, em cuja determinação os preconceitos e opiniões dos homens não tomam parte. “[Querer negociá-los] seria tão insensato quanto”, diz o Sr. Taylor, “insistir em negociar a hora e o lugar do nascer ou pôr-do-sol”.
É justamente em relação a isso, contudo, que o investigador imparcial se choca com a diversidade dos chamados métodos de Administração Científica. Longe de tratarem os problemas objetivamente, tal qual retratados, os métodos e resultados dos estudos de tempos são, na prática, o esporte favorito do julgamento individual e da opinião, sujeitos a todas as possibilidades de diversidade, imprecisão e injustiça decorrentes da ignorância humana e do preconceito.

Hoxie, Robert Franklin (1868-1916)


Scientific Management and Labor. New York: D. Appleton Company, 1915, 302 p. https://archive.org/details/scientificmanage00hoxiuoft/page/n11. Tradução minha

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Ócio sem trabalho é tortura


Uma das bênçãos do trabalho é que só ele torna possível sentir o gozo de não fazer nada. Kant qualifica o cansaço após a jornada de trabalho como um dos maiores prazeres dos sentidos. Ócio sem trabalho é tortura. Ele se soma às privações dos desempregados.



Benjamin, Walter (1892-1940)



O capitalismo como religião. Organização de Michel Lowy. Tradução de Nélio Schneider, Renato Ribeiro Pompeu. São Paulo: Boitempo, 2013. P 163