quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Prisioneiros trabalhando na charqueada

Como só continuaríamos a viagem três dias depois, [o fotógrafo] convidou-me a visitar com ele uma charqueada onde estavam trabalhando vários grupos de prisioneiros paraguaios: queria fotografá-los.

Conseguimos cavalos com um jovem oficial brasileiro e seguimos pouco mais de três léguas para nordeste, até as margens do Arroio Touro Passo. A charqueada era imensa e produzia carne para suprir o Exército estacionado no Paraguai. Havia mais de mil e quinhentos homens trabalhando ali; grandes currais abrigavam os animais trazidos para o abate, comprados ou capturados em toda a região do pampa - desde Santa Maria até Santana do Livramento. Matava-se dia e noite. Os tanques de salmoura estavam sempre cheios de mantas de carne e os varais estendiam-se por centenas e centenas de metros. A maioria dos trabalhadores era constituída de prisioneiros de guerra e negros escravos. Oficiais do Exército e alguns franceses dirigiam os trabalhos. Havia um penetrante e enjoativo cheiro de sangue no ar.

Kuhn colocava a câmara sobre o tripé e pedia aos homens para fazerem pose, mas sempre como se estivessem trabalhando; todos atendiam de boa vontade. Era impossível perceber naqueles homens quaisquer sinais de que fossem prisioneiros. O que mais me surpreendeu foi ouvi-los, quase todos, conversando em guarani; não imaginava que o Exército paraguaio tivesse recrutado tantos índios assim. Não havia uniformes para os prisioneiros; cada qual se vestia com o que tinha à mão. Como fazia muito calor, era comum vê-los usando apenas um pano enrolado entre as pernas e na cintura; lembravam velhas gravuras indianas.

 

  

Murilo Carvalho (1949 -)

 

O rastro do Jaguar. São Paulo: Leya, 2009. p 323-324.

 

  

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