De fato, ele estava escrevendo ou mais particularmente: traduzia para o “clássico” um grande artigo sobre “Ferimentos por arma de fogo”. O seu último truque intelectual era este do clássico. Buscava nisto uma distinção, uma separação intelectual desses meninos por aí que escrevem contos e romances nos jornais. Ele, um sábio, e sobretudo, um doutor, não podia escrever da mesma forma que eles. A sua sabedoria superior e o seu título “acadêmico” não podiam usar da mesma língua, dos mesmos modismos, da mesma sintaxe que esses poetastros e literatecos. Veio-lhe então a ideia do clássico. O processo era simples: escrevia do modo comum, com as palavras e o jeito de hoje, em seguida invertia as orações, picava o período com vírgulas e substituía incomodar por molestar, ao redor por derredor, isto por esto, quão grande ou tão grande por quamanho, sarapintava tudo de ao invés, empós, e assim obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares e ao público em geral.
Gostava muito da expressão – às rebatinhas;
usava-a a todo o momento e, quando a punha no branco do papel, imaginava que
dera ao seu estilo uma força e um brilho pascalianos e às suas ideias uma
suficiência transcendente. De noite, lia o padre Vieira, mas logo às primeiras
linhas o sono lhe vinha e dormia sonhando-se “físico”, tratado de mestre, em
pleno Seiscentos, prescrevendo sangria e água quente, tal e qual o doutor
Sangrado.
Lima Barreto (1881-1922)
Triste fim de Policarpo Quaresma [recurso eletrônico]. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2017 .
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