Já mencionei que minha profissão era de engenheira especializada em projetos de pontes? Construí pontes na Síria e na Líbia, e também na Polônia, perto de Elblag, e duas em Podláquia. Aquela ponte na Síria era estranha – ligava as margens de um rio que aparecia apenas sazonalmente -, a água fluía no leito por dois ou três meses, depois a terra quente a absorvia e o leito se transformava em algo como uma pista de bobsled por onde corriam cães selvagens do deserto.
O que me dava mais
prazer era transformar uma ideia em números - deles surgia uma imagem concreta,
depois um esboço, e então um projeto. Os números juntavam-se em minha folha de
papel e lá se ajeitavam de uma forma compreensível. Gostava muito daquilo. Meu
talento em álgebra foi útil na época em que era preciso fazer todas as contas
com uma régua de cálculo para elaborar um mapa astral. Hoje em dia é desnecessário;
há programas de computador só para isso. Quem ainda se lembraria da régua
quando o remédio para qualquer sede de conhecimento está apenas a um clique?
Olga Tokarczuk (1962-)
Sobre os ossos dos
mortos. Tradução de Olga Baginska-Shinzato. São Paulo: Todavia, 2019. p 108.
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