terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Nos tempos dos faraós

José, o aprendiz: Não conheço nenhum ofício, nem o de sapateiro nem o de colador de papéis, nem o de oleiro. Como animar-me, pois, a andar no meio daqueles que estão sentados exercendo o seu ofício, quem fazendo uma coisa, quem outra? Como me atreverei a assumir a responsabilidade de ver e fiscalizar?

Mont-kav, o superintendente: Acreditas que eu saiba o ofício de sapateiro e de colador de papéis? Não sei fazer nem vasos, nem cadeiras, nem ataúdes. Não é necessário que eu saiba, ninguém exige isso de mim, muito menos aqueles que sabem fazer essas coisas. Porque a minha origem é diferente da deles e outro o meu jaez; eu possuo um espírito universal e por isso fui feito superintendente. Os operários nas suas oficinas não te vão perguntar o que sabes, senão quem és, porque a isto está unida uma outra força bem diversa, destinada exatamente à vigilância e fiscalização. Aquele que, como tu, sabe falar diante do senhor, tendo arte de, com belas palavras, exprimir pensamentos delicados, não deve ficar sentado e com a cabeça curvada sobre um objeto único, mas deve caminhar ao meu lado entre os trabalhadores. Pois na palavra e não na mão está o comando e o descortino.

 

Thomas Mann (1875-1955)

 

José e seus irmãos. Volume 2, José no Egito. Tradução de Agenor Soares de Moura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.p 202-3.

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