sexta-feira, 29 de maio de 2020

O trabalho noturno



As fábricas de estruturas metálicas e caldeiraria, como outras, devido às concorrências, têm épocas com excesso de trabalho e outras em que o serviço praticamente para, às vezes dois ou mais meses. É a falta de planejamento do sistema capitalista ou a saturação dos mercados, ou então a livre concorrência em que o mais forte engole o mais fraco, papel que no caso fica com a fábrica parada. Esta é a época de dispensar um bom número de operários. Quando o serviço normalizar, outros serão admitidos com salário menor. E quando tiver excesso de trabalho, todo o mundo trabalhará até as 20 ou 22 horas. E muitos serão “convidados” a trabalhar a noite toda, durante semanas ou meses.
As horas noturnas correm lentas, arrastadas, não contadas pelo sol, mas pela escuridão. O trabalho noturno consome os nervos do trabalhador. Os raios de luz da solda se tornam tão brilhantes como os de um sol em miniatura e castigam os olhos dos outros operários. Os soldadores se espalham pela fábrica de maneira que o montador e os outros soldadores se sentem perseguidos pelos raios de luz. São oito horas, muitas vezes dez ou doze, que parecem a eternidade. É como se o relógio parasse e o tempo se tornasse fixo como as estrelas. O montador risca as chapas de ferro, mas os reflexos, as luzes e as sombras não permitem enxergar os riscos. Os raios intensos de solda queimam as vistas. O operário vira-se de costas, mas outro eletrodo se acende em um outro ponto e ele se encontra cercado por raios de pequenos sóis. As horas passam lentas, o friozinho da madrugada penetra o corpo sonolento e o tempo continua parado até o céu negro começar a clarear. Às sete horas, outros começam o trabalho normal e o que trabalhou à noite está largando para chegar em casa às oito ou oito e meia, comer alguma coisa e deitar para dormir um sono esquisito, quando tudo é vida e movimento na casa e na rua. Às três e meia da tarde acorda, almoça, senta na porta da casa vendo o sol declinar e se prepara para outra noite de trabalho.
Vida estranha a de quem trabalha à noite. Vida angustiante de quem não faz outra coisa senão trabalhar, comer e dormir. Não há tempo para mais nada. Dificilmente alguém se acostuma a esta vida, mas é fácil ficar com os nervos abalados.




Ignácio Hernandez (1932- )

Memória operária, Cidade Industrial Contagem (BH) 1968-1978. Belo Horizonte: Vega, 1979, pp 45-46.


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