sexta-feira, 29 de maio de 2020

Os trabalhos dos forçados

Muito trabalho dos forçados é consumido na mera satisfação das necessidades básicas da prisão. Todo dia, na prisão, trabalham cozinheiros, padeiros, alfaiates, sapateiros, aguadeiros, lavadores de chão, faxineiros, vaqueiros etc. O trabalho dos forçados também é usado no campo militar e na telegrafia; cerca de cinquenta pessoas formam a equipe que trabalha na enfermaria da prisão, não se sabe em que e para quê, e nem há como calcular aqueles que estão a serviço particular dos senhores funcionários. Todo funcionário, mesmo um mero assistente de escritório, até onde pude verificar, pode tomar para si criados em quantidade ilimitada. O médico, em cuja casa me hospedei e que morava sozinho e com o filho, tinha um cozinheiro, um porteiro, uma ajudante de cozinha e uma arrumadeira. Para um médico assistente de prisão, isso é muito luxo. Um inspetor da prisão tinha oito serviçais particulares: uma costureira, um sapateiro, uma arrumadeira, um lacaio, além de um menino de recados, uma babá, uma lavadeira, um cozinheiro e um lavador de chão. A questão dos criados em Sacalina é algo triste e ultrajante, como é, com certeza, em toda parte em que existem trabalhos forçados, e tampouco se trata de uma questão nova.




Anton Tchékhov (1860-1904)



A ilha de Sacalina: notas de viagem. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Todavia, 2018, p86-87

A galvanização


O galpão estreito e úmido. O chão sempre cheio de água e ácidos. No meio as cubas. De um lado o tanque com ácido muriático para a limpeza das peças de ferro. Os tubos, barras e cantoneiras; peças já montadas ou parafusos e porcas passam primeiro por esse tanque para a limpeza geral. Depois são mergulhados na cuba do fluxo, concentrado de ácidos, e acaba a limpeza. Daí, através de talhas manejadas com muito esforço, as peças são levadas ao banho de zinco. O forno derrete os blocos de zinco que, a uma temperatura de determinados graus, espera o ferro para aderir a ele. Os homens que manejam as talhas suspendem as peças em cima da cuba de zinco e rapidamente se escondem atrás de uma espécie de cabine com um visor de vidro. Todos os operários da galvanização correm para se abrigar e os ferros mergulham no zinco provocando diversas explosões. O zinco fervendo, derretido, pula em qualquer direção. Passados pouco minutos e acabadas as explosões, os operários suspendem as peças de ferro, brilhantes, vestidas de zinco. Um novo esforço para levá-las até o tanque de resfriamento. Lá mergulham de novo. A água espirra ao contato com as peças quentes. Saindo da água as peças estão prontas para enfrentar a chuva e o calor; defendidas contra a ferrugem, se converterão em torres de eletrificação esquecidas no meio do mato, trazendo a corrente elétrica desde as usinas hidroelétricas até as cidades.
O galpão é estreito, úmido e obscuro, o chão sempre molhado de água e ácidos. Os operários com botas de borracha até os joelhos, luvas que cobrem as mãos e braços, com as camisas rasgadas ou sem camisa. Muitos deles com marcas de queimadura de zinco nas costas ou braços. O suor brilha na musculatura forte. O calor sufoca. O esforço grande, a tensão à flor da pele. Os ácidos se agarram às narinas, à garganta e aos pulmões. Amônia, ácido muriático, zinco, alumínio, cloreto de amônio e chumbo; todos esses elementos entram em jogo para a galvanização.
Os homens da galvanização se movem como sombras, correm, saltam, se escondem das explosões, voltam a aparecer no galpão estreito, úmido, obscuro e sujo. Os rostos sérios e tristes. Em toda a fábrica se brinca, se caçoa: na galvanização, não. É o trabalho mais duro e o menos remunerado no capitalismo subdesenvolvido.



Ignácio Hernandez (1932- )


Memória operária, Cidade Industrial Contagem (BH) 1968-1978. Belo Horizonte: Vega, 1979, pp138-139

O trabalho noturno



As fábricas de estruturas metálicas e caldeiraria, como outras, devido às concorrências, têm épocas com excesso de trabalho e outras em que o serviço praticamente para, às vezes dois ou mais meses. É a falta de planejamento do sistema capitalista ou a saturação dos mercados, ou então a livre concorrência em que o mais forte engole o mais fraco, papel que no caso fica com a fábrica parada. Esta é a época de dispensar um bom número de operários. Quando o serviço normalizar, outros serão admitidos com salário menor. E quando tiver excesso de trabalho, todo o mundo trabalhará até as 20 ou 22 horas. E muitos serão “convidados” a trabalhar a noite toda, durante semanas ou meses.
As horas noturnas correm lentas, arrastadas, não contadas pelo sol, mas pela escuridão. O trabalho noturno consome os nervos do trabalhador. Os raios de luz da solda se tornam tão brilhantes como os de um sol em miniatura e castigam os olhos dos outros operários. Os soldadores se espalham pela fábrica de maneira que o montador e os outros soldadores se sentem perseguidos pelos raios de luz. São oito horas, muitas vezes dez ou doze, que parecem a eternidade. É como se o relógio parasse e o tempo se tornasse fixo como as estrelas. O montador risca as chapas de ferro, mas os reflexos, as luzes e as sombras não permitem enxergar os riscos. Os raios intensos de solda queimam as vistas. O operário vira-se de costas, mas outro eletrodo se acende em um outro ponto e ele se encontra cercado por raios de pequenos sóis. As horas passam lentas, o friozinho da madrugada penetra o corpo sonolento e o tempo continua parado até o céu negro começar a clarear. Às sete horas, outros começam o trabalho normal e o que trabalhou à noite está largando para chegar em casa às oito ou oito e meia, comer alguma coisa e deitar para dormir um sono esquisito, quando tudo é vida e movimento na casa e na rua. Às três e meia da tarde acorda, almoça, senta na porta da casa vendo o sol declinar e se prepara para outra noite de trabalho.
Vida estranha a de quem trabalha à noite. Vida angustiante de quem não faz outra coisa senão trabalhar, comer e dormir. Não há tempo para mais nada. Dificilmente alguém se acostuma a esta vida, mas é fácil ficar com os nervos abalados.




Ignácio Hernandez (1932- )

Memória operária, Cidade Industrial Contagem (BH) 1968-1978. Belo Horizonte: Vega, 1979, pp 45-46.


quinta-feira, 7 de maio de 2020

Inventor do trabalho

O tal que inventou o trabalho
Só pode ter uma cabeça oca
Pra conceber tal ideia,
Que coisa louca.
O trabalho dá trabalho demais
E sem ele não se pode viver
Ma há tanta gente no mundo
que trabalha sem nada obter
Somente pra comer.
Contradigo o meu protesto
Com referência ao inventor
A ele cabe menos culpa
Por seu invento causar pavor.
Dona Necessidade  é senhora absoluta da minha situação.
Trabalhar e batalhar por uma nota curta.


Oscar da Penha (Batatinha)  1924-1997

Pedreiro Waldemar

Você conhece o pedreiro Waldemar?
Não conhece?
Mas eu vou lhe apresentar.
De madrugada toma o trem da Circular
Faz tanta casa e não tem casa pra morar.
Leva marmita embrulhada no jornal,
Se tem almoço, nem sempre tem jantar.
O Waldemar que é mestre no ofício
Constrói um edifício
E depois não pode entrar.

 Wilson Batista (1913-1968) e Roberto Martins ( 1909-1992) ( Blecaute) , 1919-1983.




 Interpretação de Blecaute ( 1919-1983)