segunda-feira, 6 de maio de 2019

O advogado e as próteses defeituosas


Era um advogado de uns trinta e cinco anos. Usava gravatas francesas, ternos ingleses e o preço do seu relógio daria, no mínimo, para comprar a parte de Pedro na sociedade daquela loja de livros de segunda mão. O cabelo quase louro era aparado com minúcia artística na nuca e na meia lua acima das orelhas. O advogado tinha feito uma cirurgia plástica nas duas orelhas e mais recentemente uma outra cirurgia na ligeira papada: insatisfeito, mirou-se depressa no fundo cromado de seu computador de mão, que retirou do bolso para servir de espelho [...].
O advogado defendia uma empresa acusada de ter importado e vendido para hospitais públicos, durante mais de dois anos, placas de prótese metálica que, depois de um tempo no corpo dos pacientes, enferrujava. Tinham algum defeito de fabricação nunca especificado nem esclarecido. A questão para o advogado consistia em adiar, reavaliar, questionar documentos, produzir petições, impugnar pareceres, perícias e testemunhas, além de evitar ao máximo a divulgação do caso, com a ajuda de uma bem selecionada e bem paga assessoria de imprensa. Havia nove anos que o advogado trabalhava na mesma causa com sucesso. Nesse meio tempo, tinha casado e separado, comprou uma lancha de trinta pés e tirou carteira de arrais amador.




Figueiredo, Rubens (1956- )

Passageiro do fim do dia. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 172.

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