[Doutor] Seixas continuou:
_Para muitos a profissão médica não passa dum balcão... O que
importa é a féria. Você não leu o jornal o outro dia? Um grupo de médicos numa
cidade dos Estados Unidos combinou-se para simular uma operação numa viúva
milionária. Inventaram uma doença, botaram a miserável na mesa de operação,
abriram-lhe a barriga e fecharam em seguida sem tocar numa tripa. Bumba! A
mulher morreu. A conta foi de um milhão ou coisa parecida. Gangsters!. E tudo por causa do dinheiro.__Chupou o cigarro de
palha.
_Seu Eugênio, ouça o que lhe digo. O dinheiro é uma coisa nojenta.
Um sujeito decente não se escraviza a ele.
Abriu a porta e tornou a fechá-la atrás de si.
Aquela tarde o consultório esteve movimentado. Os clientes-
verificou [doutor] Eugênio ao tomar notas para o fichário que estava organizando-
eram em sua maioria empregados do comércio, funcionários públicos, estudantes
pobres e prostitutas. Chegavam quase sempre acanhados, falavam com dificuldade
ou então, como a mãe duma criança que engolira um alfinete, desatavam numa
loquacidade nervosa e interminável.
Eugênio se surpreendia a tomar pelos pacientes um interesse não só
profissional como também humano. Era-lhe agradável ver que alguém de certo modo
lhe pedia auxílio, precisava de seus serviços e que se lhe proporcionava a
oportunidade de ser útil a outrem. As horas daquela tarde lhe passaram quase
despercebidas.
Veríssimo, Érico (1905-1975)
Olhai os lírios do campo. 8 edição. São Paulo: Globo, 1999. p
206-207
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