quarta-feira, 6 de março de 2019

Médicos


[Doutor] Seixas continuou:
_Para muitos a profissão médica não passa dum balcão... O que importa é a féria. Você não leu o jornal o outro dia? Um grupo de médicos numa cidade dos Estados Unidos combinou-se para simular uma operação numa viúva milionária. Inventaram uma doença, botaram a miserável na mesa de operação, abriram-lhe a barriga e fecharam em seguida sem tocar numa tripa. Bumba! A mulher morreu. A conta foi de um milhão ou coisa parecida. Gangsters!. E tudo por causa do dinheiro.__Chupou o cigarro de palha.
_Seu Eugênio, ouça o que lhe digo. O dinheiro é uma coisa nojenta. Um sujeito decente não se escraviza a ele.
Abriu a porta e tornou a fechá-la atrás de si.
Aquela tarde o consultório esteve movimentado. Os clientes- verificou [doutor] Eugênio ao tomar notas para o fichário que estava organizando- eram em sua maioria empregados do comércio, funcionários públicos, estudantes pobres e prostitutas. Chegavam quase sempre acanhados, falavam com dificuldade ou então, como a mãe duma criança que engolira um alfinete, desatavam numa loquacidade nervosa e interminável.
Eugênio se surpreendia a tomar pelos pacientes um interesse não só profissional como também humano. Era-lhe agradável ver que alguém de certo modo lhe pedia auxílio, precisava de seus serviços e que se lhe proporcionava a oportunidade de ser útil a outrem. As horas daquela tarde lhe passaram quase despercebidas.


Veríssimo, Érico (1905-1975)

Olhai os lírios do campo. 8 edição. São Paulo: Globo, 1999. p 206-207



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