Pergunta: O senhor disse que o seu
próprio trabalho avançou de “expressão” para “alusão” mais recentemente. O que
quer dizer com alusão?
Borges: Veja, quero dizer isto:
quando comecei a escrever, achava que tudo deveria ser definido pelo escritor.
Por exemplo, dizer “a lua” era estritamente proibido; tinha que se achar um
adjetivo, um epíteto para a lua (claro, estou simplificando as coisas. Sei
disso porque muitas vezes escrevi “la luna”, mas isso é uma espécie de símbolo
do que eu estava fazendo). Bem, eu achava que tudo tinha que ser definido e que
nenhum volteio de frase comum deveria ser usado. Eu nunca teria dito: “fulaninho
de tal entrou e sentou” porque isso era simples e fácil demais. Achava que
tinha que descobrir alguma forma extravagante de dizer isso. Agora percebo que
essas coisas são em geral aborrecimentos para o leitor. Mas penso que toda a
raiz do problema está no fato de que quando um escritor é jovem, ele, de algum
modo sente que o que vai dizer é bastante tolo, óbvio ou lugar comum e então
tenta ocultá-lo sob uma ornamentação barroca por trás de palavras tiradas dos
escritores do século XVII; ou, senão, se ele se empenha em ser moderno, então
faz o contrário, fica inventando palavras o tempo todo, ou aludindo a aviões,
trens ou o telégrafo e o telefone porque está se esforçando ao máximo para ser
moderno. Depois, à medida que o tempo passa, sente-se que as ideias que se tem,
boas ou más, devem ser expressas claramente, porque, se você tem uma ideia, tem
que tentar passar essa ideia ou essa emoção ou essa atmosfera para a mente do
leitor. Se, ao mesmo tempo, você está tentando ser, digamos, Thomas Browne ou
Ezra Pound, aí não funciona. De modo que acho que um escritor sempre começa
sendo complicado demais: está experimentando vários jogos ao mesmo tempo. Ele
quer transmitir um certo clima; ao mesmo tempo tem que ser contemporâneo e, se
não for contemporâneo, então será um reacionário e um clássico. Quanto ao
vocabulário, a primeira coisa que um jovem escritor faz, pelo menos nesse país,
é mostrar aos seus leitores que possui um dicionário, que sabe todos os sinônimos;
de modo que temos, por exemplo, numa linha, “vermelho”, daí temos “escarlate",
depois outras palavras diferentes, mais ou menos, para a mesma cor: “púrpura”.
Pergunta: O Senhor avançou, então,
em direção a uma espécie de prosa clássica?
Borges: Sim, faço o que posso
agora. Quando me deparo com uma palavra deslocada, isto é, uma palavra que pode
ser usada pelos clássicos espanhóis ou uma palavra usada nas favelas de Buenos
Aires, quero dizer, uma palavra que é diferente das outras, eu a risco e uso
uma palavra comum. Lembro-me de que Stevenson escreveu que, numa página bem
escrita, todas as palavras deveriam ter a mesma aparência. Se você escreve uma
palavra rude, ou surpreendente ou arcaica, então a regra é quebrada; e, o que é
bem mais importante, a atenção do leitor é distraída pela palavra. As pessoas
devem ser capazes de ler fluentemente, mesmo que você esteja escrevendo metafísica
ou filosofia ou o que quer que seja.
Borges, Jorge
Luis (1899-1986)
Os escritores 1: as históricas
entrevistas da Paris Review. Tradução de Alberto Alexandre Martins e Beth
Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p 215-216
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