quinta-feira, 14 de março de 2019

As ideias devem ser expressas claramente


Pergunta: O senhor disse que o seu próprio trabalho avançou de “expressão” para “alusão” mais recentemente. O que quer dizer com alusão?
Borges: Veja, quero dizer isto: quando comecei a escrever, achava que tudo deveria ser definido pelo escritor. Por exemplo, dizer “a lua” era estritamente proibido; tinha que se achar um adjetivo, um epíteto para a lua (claro, estou simplificando as coisas. Sei disso porque muitas vezes escrevi “la luna”, mas isso é uma espécie de símbolo do que eu estava fazendo). Bem, eu achava que tudo tinha que ser definido e que nenhum volteio de frase comum deveria ser usado. Eu nunca teria dito: “fulaninho de tal entrou e sentou” porque isso era simples e fácil demais. Achava que tinha que descobrir alguma forma extravagante de dizer isso. Agora percebo que essas coisas são em geral aborrecimentos para o leitor. Mas penso que toda a raiz do problema está no fato de que quando um escritor é jovem, ele, de algum modo sente que o que vai dizer é bastante tolo, óbvio ou lugar comum e então tenta ocultá-lo sob uma ornamentação barroca por trás de palavras tiradas dos escritores do século XVII; ou, senão, se ele se empenha em ser moderno, então faz o contrário, fica inventando palavras o tempo todo, ou aludindo a aviões, trens ou o telégrafo e o telefone porque está se esforçando ao máximo para ser moderno. Depois, à medida que o tempo passa, sente-se que as ideias que se tem, boas ou más, devem ser expressas claramente, porque, se você tem uma ideia, tem que tentar passar essa ideia ou essa emoção ou essa atmosfera para a mente do leitor. Se, ao mesmo tempo, você está tentando ser, digamos, Thomas Browne ou Ezra Pound, aí não funciona. De modo que acho que um escritor sempre começa sendo complicado demais: está experimentando vários jogos ao mesmo tempo. Ele quer transmitir um certo clima; ao mesmo tempo tem que ser contemporâneo e, se não for contemporâneo, então será um reacionário e um clássico. Quanto ao vocabulário, a primeira coisa que um jovem escritor faz, pelo menos nesse país, é mostrar aos seus leitores que possui um dicionário, que sabe todos os sinônimos; de modo que temos, por exemplo, numa linha, “vermelho”, daí temos “escarlate", depois outras palavras diferentes, mais ou menos, para a mesma cor: “púrpura”.
Pergunta: O Senhor avançou, então, em direção a uma espécie de prosa clássica?
Borges: Sim, faço o que posso agora. Quando me deparo com uma palavra deslocada, isto é, uma palavra que pode ser usada pelos clássicos espanhóis ou uma palavra usada nas favelas de Buenos Aires, quero dizer, uma palavra que é diferente das outras, eu a risco e uso uma palavra comum. Lembro-me de que Stevenson escreveu que, numa página bem escrita, todas as palavras deveriam ter a mesma aparência. Se você escreve uma palavra rude, ou surpreendente ou arcaica, então a regra é quebrada; e, o que é bem mais importante, a atenção do leitor é distraída pela palavra. As pessoas devem ser capazes de ler fluentemente, mesmo que você esteja escrevendo metafísica ou filosofia ou o que quer que seja.

Borges, Jorge Luis (1899-1986)


Os escritores 1: as históricas entrevistas da Paris Review. Tradução de Alberto Alexandre Martins e Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p 215-216


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