sábado, 8 de fevereiro de 2025

Trabalho a bordo

O que eu mais amo na vida a bordo é o meu dinheiro. Sempre amei o meu dinheiro, a minha liberdade de fazer o que eu quero. Ir e vir a hora que eu quero, ter o meu dinheiro e não precisar de ninguém. Porque eu adoro não precisar de ninguém.

O que eu mais odeio da vida a bordo é a nossa carga horário. Eu acho que ela é muito pesada, eu acho que ela poderia ser um pouquinho mais flexível. Para não sufocar, não debilitar tanto a gente, né. Trabalhar de domingo a domingo, tantas horas, dois períodos por dia, então, tipo, eu acho que o que eu mais odeio é isso [...] você não faz mais nada da vida. Você só toma banho, troca de roupa e já vai. Então, eu acho que eu odeio isso... Eu acho que tinha que ser... Mas é um sonho impossível.

 

[...] O maior absurdo que eu vejo a bordo é a humilhação. É gritar, é xingar, é humilhar a pessoa...Na frente de todo mundo, assim [...] eu acho que é o chefe chegar na frente de todo mundo, te humilhar, te acabar, gritar com você, dizer que você não serve para nada, que você é um imprestável e que você tem que abaixar a sua cabeça e continuar trabalhando. Porque ninguém vai te proteger naquele dia. Não existe danos morais, não existe nenhum crime destes que a gente tem no Brasil dentro do navio. Pelo menos lá dentro nada dessa lei serve para nós. [...] Eu acho muito triste ver as pessoas sendo humilhadas, eu sempre rebati, é toma lá e deu cá. Nunca deixei passar, nunca baixei a minha cabeça. Agora... eu já vi muita gente que abaixava a cabeça, que ia embora com uma mão na frente, outra atrás. Ou gente que ficava doente, Tinha gente que ficava doente, entrava em crise, ou que perdia as estribeiras, porque não sabiam como se defender, porque você sabe que não dá para se defender ali. Se todos ficam contra você, eles fazem da sua vida um inferno. Eu falo para você que eu sempre comparei a vida no navio a um presídio. Lá é um presídio, ou você se dá bem e entra na máfia, ou você não se dá bem e você vai comer o pão que o diabo amassou, então você tem que entrar no sistema do Carandiru.

 

 

Igor Sanches

Inferno em alto mar: desventuras do trabalho a bordo de navios de cruzeiro. editoraviseu.com

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário