O trabalho era o fundamento de sua ética, que ele sentia como um sacro dever, mas que compreendia num sentido mais amplo. Era trabalho tudo e apenas aquilo que traz lucros sem comprometer a atividades lícitas, igualmente, por exemplo, o contrabando, o furto, a trapaça (mas não o roubo: não era um violento). Considerava, todavia, censuráveis, porque humilhantes, todas as atividades que não comportavam iniciativa ou risco, ou que pressupunham uma disciplina e uma hierarquia: toda relação de trabalho, toda prestação de serviço, conquanto bem retribuída, ele a assimilava totalmente ao “trabalho servil”. Mas não era trabalho servil arar o próprio campo, ou vender falsas antiguidades no porto aos turistas.
Quanto às atividades mais elevadas do espírito, ao trabalho
criativo, demorei a compreender que o grego se dividia. Tratava-se de opiniões
delicadas, que mereciam análise caso a caso: era lícito, por exemplo, perseguir
o sucesso em si mesmo, ainda que vendendo falsa pintura ou subliteratura, ou
ainda que prejudicando o próximo; censurável obstinar-se em perseguir um ideal
não lucrativo; pecaminoso retirar-se do mundo em contemplação; era lícito,
todavia, aliás recomendável, o caminho de quem se dedica a meditar e adquire
sabedoria, contanto que não considere obrigação receber gratuitamente o próprio
pão da Sociedade Civil: a sabedoria é também uma mercadoria e pode e deve ser
trocada.
Primo Levi (1919-1989)
A trégua. Tradução de Marco Lucchesi. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010. p. 43-44.
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