domingo, 28 de novembro de 2021

O preço do açúcar

Ao se aproximar da cidade, eles encontraram um negro estendido no chão, apenas com metade de sua roupa, ou seja, um calção de pano azul. O pobre homem não tinha a perna esquerda nem a mão direita. “Ah! Meu Deus, lhe disse Cândido, em holandês, que fazes tu aqui, meu amigo, nesse estado terrível em que te vejo? ” “Eu espero, meu senhor, o Sr Vanderdendur, o famoso negociante”. respondeu o negro. “Foi o Sr. Vanderdendur que te tratou assim? ” “Sim senhor, disse o negro, é o costume. Eles nos dão como vestimenta um calção de pano, duas vezes por ano. Quando trabalhamos nos engenhos de cana de açúcar, e a moenda nos tira o dedo, eles nos cortam a mão; quando queremos fugir, nos cortam a perna. Isso me aconteceu nos dois casos. É a esse preço que vós comeis açúcar na Europa. Porém, quando minha mãe me vendeu por dez escudos patagões na costa da Guiné ela me dizia: meu querido filho, abençoe nossos fetiches, adore-os sempre, eles te farão viver feliz, tu tens a honra de ser escravo de nossos senhores brancos, e assim farás a fortuna de teu pai e de tua mãe”. Infelizmente, eu não sei se lhes fiz a fortuna, mas eles não fizeram a minha. Os cachorros, os macacos e os papagaios são mil vezes menos infelizes que nós. Os fetiches holandeses que me converteram me dizem, todos os domingos, que somos todos filhos de Adão, brancos e negros. Eu não sou genealogista, mas se esses pregadores dizem a verdade, somos todos primos, vindos dos alemães. Ora, o senhor há de convir que não se pode tratar seus parentes de uma maneira mais horrível.

 

 

 Voltaire (François-Marie Arouet) (1694-1778)

 

Cândido ou o Otimismo

https://www.ebooksgratuits.com/blackmask/voltaire_candide.pdf

(Tradução minha)

 

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