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Welerson Geraldo Athaydes Fernandes |
Coletânea de excertos sobre as várias faces do trabalho, escolhidos a partir de muitas e prazerosas leituras de textos literários e afins (com algumas ilustrações)
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
sábado, 15 de fevereiro de 2025
Indígenas escravizados no Brasil
O Brasil não possuía a quantidade de ouro ou prata do México ou do Peru nesses primeiros anos, mas os colonos verificaram que o clima era excelente para o cultivo do açúcar, o qual alcançava bons preços na Europa. Durante a década de 1540, instalaram-se engenhos de açúcar nos vários lugares em que os colonos portugueses estavam tentando estabelecer-se. Cada engenho exigia trabalho pesado: abater a mata, eliminar a vegetação rasteira, criar gado, canalizar água para os moinhos, construir os próprios engenhos. Uma vez funcionando, os engenhos continuavam a necessitar de muitos braços para cortar a cana, moê-la e proceder à fermentação. Tratava-se de um trabalho árduo, que os índios se recusavam a fazer. Derrubar a mata e preparar a terra para o plantio era uma coisa, mas cortar a cana, operar as moendas e cozer o melaço era uma tarefa brutal. Os colonos não usavam a habilidade dos índios na caça, seu conhecimento da floresta e sua capacidade de manejar o arco. Eram considerados trabalhadores agrícolas, tarefa que entre eles incumbia às mulheres. Além disso produziam um excedente incompreensível e desnecessário, muito mais açúcar do que os colonos e os próprios índios necessitavam. Fernão Cardim escreveu que cada engenho empregava cem ou duzentos escravos. “O serviço é insuportável, sempre os serventes andam correndo, e por isso morrem muitos escravos”. Os lucros dos proprietários eram elevados. “Os encargos de consciência são muitos, os pecados que se cometem neles não têm conta [...] bem cheio de pecados vai esse doce “.
Os índios se recusavam a executar esse
trabalho por qualquer forma de pagamento que fosse ou por qualquer quantidade
de mercadorias. Tudo o que se referia ao trabalho nos engenhos era alheio à sua
natureza. Eles não tinham interesse no lucro e nenhuma ambição quanto à riqueza
material. Não gostavam do trabalho físico e eram solicitados a executar um
trabalho que cabia às mulheres. Os índios se orgulhavam da generosidade, da
hospitalidade e compartilhavam o que tinham com os membros de sua família ou
tribo. A ideia de trabalhar para os outros era, portanto, abominável. A planta
que lhes solicitavam que cultivasse era-lhes desconhecida, importada do Caribe
e de valor limitado. O conceito de trabalhar durante horas prolongadas,
expostos ao calor do sol, sem tempo para relaxar e gozar os prazeres da caça ou
da vida em comunidade era intolerável. Em consequência, os colonos só poderiam
obter mão-de-obra para seus engenhos pelo uso da força, e eles se voltaram
naturalmente para a escravidão, numa época que a aceitava como uma das
condições do homem.
John Hemming (1935-)
Ouro vermelho, a
conquista dos índios brasileiros. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de
Moura. São Paulo: Edusp, 2007. p 84-85.
domingo, 9 de fevereiro de 2025
sábado, 8 de fevereiro de 2025
Trabalho a bordo
O que eu mais amo na vida a bordo é o meu dinheiro. Sempre amei o meu dinheiro, a minha liberdade de fazer o que eu quero. Ir e vir a hora que eu quero, ter o meu dinheiro e não precisar de ninguém. Porque eu adoro não precisar de ninguém.
O que eu mais odeio da vida a bordo é a nossa
carga horário. Eu acho que ela é muito pesada, eu acho que ela poderia ser um pouquinho
mais flexível. Para não sufocar, não debilitar tanto a gente, né. Trabalhar de
domingo a domingo, tantas horas, dois períodos por dia, então, tipo, eu acho
que o que eu mais odeio é isso [...] você não faz mais nada da vida. Você só
toma banho, troca de roupa e já vai. Então, eu acho que eu odeio isso... Eu
acho que tinha que ser... Mas é um sonho impossível.
[...] O maior absurdo que eu vejo a bordo é a
humilhação. É gritar, é xingar, é humilhar a pessoa...Na frente de todo mundo,
assim [...] eu acho que é o chefe chegar na frente de todo mundo, te humilhar,
te acabar, gritar com você, dizer que você não serve para nada, que você é um
imprestável e que você tem que abaixar a sua cabeça e continuar trabalhando.
Porque ninguém vai te proteger naquele dia. Não existe danos morais, não existe
nenhum crime destes que a gente tem no Brasil dentro do navio. Pelo menos lá
dentro nada dessa lei serve para nós. [...] Eu acho muito triste ver as pessoas
sendo humilhadas, eu sempre rebati, é toma lá e deu cá. Nunca deixei passar,
nunca baixei a minha cabeça. Agora... eu já vi muita gente que abaixava a
cabeça, que ia embora com uma mão na frente, outra atrás. Ou gente que ficava
doente, Tinha gente que ficava doente, entrava em crise, ou que perdia as estribeiras,
porque não sabiam como se defender, porque você sabe que não dá para se defender
ali. Se todos ficam contra você, eles fazem da sua vida um inferno. Eu falo para
você que eu sempre comparei a vida no navio a um presídio. Lá é um presídio, ou
você se dá bem e entra na máfia, ou você não se dá bem e você vai comer o pão
que o diabo amassou, então você tem que entrar no sistema do Carandiru.
Igor Sanches
Inferno em alto mar: desventuras do trabalho a bordo de navios de cruzeiro. editoraviseu.com