terça-feira, 23 de julho de 2024

Bom dia



        

 Madrugou, madrugou

A mancha branca do sol

Acordou o dia

E o dia já levantou


Acorda, meu amor

A usina já tocou

Acorda, é hora

De trabalhar meu amor


Acorda, é hora

O dia veio roubar

Teu sono cansado

É hora de trabalhar


O dia te exige

O suor e o braço

Pra usina do dono

Do teu cansaço


Acorda, meu amor

É hora de trabalhar

 O dia já raiou

É hora de trabalhar


Madrugou, madrugou

A mancha branca do sol

Acordou o dia

E o dia já levantou


Ele sai, ele vai

A usina já tocou

Bom dia, bom dia

Até logo, meu amor





sábado, 20 de julho de 2024

Caminhoneiro

Entre os saberes que meu pai adquiriu nos seus cinquenta anos de estrada está uma notável habilidade em organizar cargas e volumes. Cargas mal distribuídas na carroceria do caminhão podem levar a tragédias. Meu pai conta de um acidente que ele presenciou no oeste do Pará: Fui o primeiro a chegar na cena do acidente. O caminhoneiro de tora deve ter dormido e bateu de frente com o ônibus numa ladeira. As toras devia tá mal amarrada, então uma saiu de cima da carroceria, arrancou a cabine do caminhão, entrou por dentro do ônibus e saiu lá na traseira. Tinha 51 pessoas no ônibus. Dava pra sentir o quente do sangue escorrendo no asfalto. Aquele tempo passava um ônibus por dia por ali, ou a cada dois dias, então vinha gente até em cima do bagageiro. Foi onde que aconteceu a tragédia e só sobrou um passageiro vivo. Esse cara que não morreu ficou louco, passou a vida morando num posto ali perto; as pessoas ajudavam ele, ele às vezes varria o pátio do posto, às vezes não fazia nada. E os morador da região fincaram uma cinquenta cruz branca na beira da estrada no ponto do acidente. Quando fui com a sua mãe pro Pará, nas núpcias, eu cheguei a tirar uma foto dessas cruz, mas ela jogou fora, ela não gostava.

É preciso, então, saber organizar as coisas no seu lugar. As demandas das cargas conferiam a ele algo como um doutorado honoris causa em geometria aplicada. Encher um mero carrinho de supermercado na frente do meu pai é uma tarefa ingrata, já que qualquer tentativa de organização está sempre aquém das expectativas cartesianas que ele impõe, como se a divisão daquele espaço entre caixas de leite, ovos, legumes e produtos de limpeza fosse uma questão da mais alta importância para o destino da humanidade.

 

José Henrique Bortoluci (1984-) 

 

 

O que é meu. São Paulo: Fósforo, 2023, p.68-9.

Caçador de ratos

Rembrandt (1606-1669)