Podemos ver o quão
perverso se torna um dito por mim escutado várias vezes: ‘’vai trabalhar” e “o
trabalho dignifica o homem”, sendo que a maioria esmagadora das/os
sobreviventes das favelas são famílias trabalhadoras, sendo que a diferença em
relação a outras/os trabalhadoras/es é o alto grau de precarização do seu trabalho,
os quais não geram – como percebemos quando escutamos estas frases -
reconhecimento, valorização e muito menos dignidade, posto que para esta conquista
outras lutas, além do trabalho, devem ser travadas.
Famílias como a da
Dra. Maria Carolina de Jesus, bem como a minha e de milhares de brasileiras/os são
marcadas pela exclusão social e econômica, pela exclusão do conhecimento e dos
saberes, mesmo sendo trabalhadoras/es, gerando riquezas, mas apenas ficando
imerso na pobreza e na miséria, em muitos casos, íntimas da fome, excluídas e
indesejadas socialmente. [...] É um definhamento psicológico dormir sem saber
que amanhã pode não haver comida para alimentar os filhos, dinheiro para pagar
as contas, roupas para se aquecer. Vocês não sabem o que é isso? Procurem
ajudar quem infelizmente sabe.
Famílias
caracterizadas pela falta de uma cidade para morar, não desejadas nem no
interior, nas suas cidades natal e muito menos na cidade grande, na cidade as
quais foram obrigadas a morar. Vivendo numa espécie de limbo geográfico, sem
assistência do estado, sem cidadania, com o estado tratando as famílias como
rejeitos sociais, através do qual se tornam problemas caracterizados por serem
indesejáveis. Imaginem sobreviver nessas condições, afastados de seus
familiares, longe e expulso do lugar que chamava de lar, agora em terreno hostil,
também indesejado, com vizinhos novos e a forte presença do medo.
A cidade e seus
senhores nobres e poderosos são, ao seu entender, os legítimos moradores, os
que detém a propriedade da terra, grandes extensões de terras. Estes nascem
herdeiros de propriedades, com o futuro pré-definido, de privilégios e exploração,
naturalizando dessa forma a riqueza e a pobreza. Colocando a riqueza como sua
conquista, através de seus esforços e Inteligências, aqueles que sabem
aproveitar as oportunidades e assim, culpando os pobres pela pobreza, lhes
relacionando a ignorância, preguiça, falta de vontade, mesmo sendo as/os
trabalhadoras/es pobres a produzirem as riquezas.
A pobreza não é gerada
pelos pobres e sim pela exploração e não distribuição da riqueza, ocorrida por várias
gerações, desde o Brasil colonial. Com o passar do tempo, foi-se passando
também por herança, tanto a pobreza quanto a riqueza, sem nunca sequer haver
discussão sobre distribuição das riquezas, sendo difícil até mesmo discutir a
taxação das fortunas. A acumulação de riquezas por um lado nas mãos de poucos,
gera a pobreza e a miséria para muitos. Não haveria pobres se não houvessem
ricos, pobres são pobres somente quando há comparação com os ricos.
Ricos não gostam de
malocas, por isso as querem longe, se esforçam para as destruir. Os (nós)
maloqueiros também não gostamos de viver em malocas, também temos sonhos,
desejos, ensejamos por uma vida melhor. Esta vida poderia vir não com a
destruição dos ricos, mas sim de seus privilégios e distribuição de riquezas,
as quais realmente poderiam acabar com as malocas e melhorar nossas vidas. Ninguém
mora em malocas porque quer, são forçados a morar bem como são forçados a
saírem, sendo que estas forças vêm principalmente das instituições do estado e
privadas. Além do mais, os ricos gozam como se seus privilégios lhes fosse um
direito natural, se aproveitam dessas situações.
Não gostam de malocas
mas gostam do trabalho que elas produzem, se aproveitam da situação de exclusão
extrema para explorar ainda mais as/os trabalhadoras/es, estas/es que em sua
maioria nem sequer conseguem concorrer por vagas de trabalho no mercado formal,
que têm que vender sua força de trabalho conforme seu “valor e necessidade”,
mas sim conforme o “cliente” quiser pagar, logo se você não se sujeitas a
trabalhar nas condições que estão lhe sendo “ofertadas” outro trabalhará em seu
lugar. É quase uma luta, como uma grande competição entre os explorados para
saber quem poderá ter o privilégio de ser contratado/explorado.
Não gostam das/os catadoras/es
mas gostam da reciclagem, querem que seus resíduos saiam da frente de seus
olhos e sejam reciclados, não gostam de pobreza mas pagam pouco e exploram
muito seus/uas empregados/as e muito menos ainda pelos serviços domésticos. Um
pedreiro, servente da construção civil da maloca custa um terço em relação a
outros pedreiros ditos profissionais na realização do mesmo serviço e assim
funciona com os eletricistas, porteiros e domésticas, profissões marcantes da
cidade das malocas. É uma exploração travestida de apoio onde o explorado não
pode reclamar e ainda é obrigado a agradecer.
Alexandro Cardoso (1980 )
Do Lixo a Bixo: a
cultura dos estudos e o tripé de sustentação da vida. Belo Horizonte: Editora
Dialética, 2021.p 59-61