[...] e fui catar papel. Que suplício catar papel atualmente. Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de ficar em casa. Eu ponho o saco na cabeça e levo-a nos braços. Suporto o peso do saco na cabeça e suporto o peso da Vera Eunice nos braços. Tem hora que revolto-me. Depois domino-me. Ela não tem culpa de estar no mundo.
Eu cato papel mas não gosto. Então eu penso:
faz de conta que eu estou sonhando.
Carolina Maria de
Jesus (1914-1977)
Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10.
edição. São Paulo: Ática, 2014. p 22 e 29.