Rockwell Kent ( 1882-1971) |
Coletânea de excertos sobre as várias faces do trabalho, escolhidos a partir de muitas e prazerosas leituras de textos literários e afins (com algumas ilustrações)
terça-feira, 31 de março de 2020
domingo, 29 de março de 2020
A estátua de mármore e a estátua de murta
A Estátua de mármore custa muito a fazer,
pela dureza e resistência da matéria; mas depois de feita uma vez, não é
necessário que lhe ponham mais a mão, sempre conserva e sustenta a mesma
figura: a Estátua de murta é muito mais fácil de formar, pela facilidade com
que se dobram os ramos; mas é necessário andar sempre reformando e trabalhando
nela, para que se conserve. Se deixa o jardineiro de assistir, em quatro dias
sai um ramo que lhe atravessa os olhos; sai outro, que lhe descompõe as
orelhas: saem dois, que de cinco dedos lhe fazem sete; e o que pouco antes era
um homem, já é uma confusão verde de murtas. Eis aqui a diferença que há entre
umas nações e outras na doutrina da Fé. Há umas nações naturalmente duras,
tenazes e constantes, as quais dificultosamente recebem a fé e deixam os erros
de seus antepassados: resistem com as armas, duvidam com o entendimento,
repugnam com a vontade, cerram-se, teimam, argumentam, replicam, dão grande
trabalho até se renderem; mas uma vez rendidas, uma vez que receberam a Fé,
ficam nela firmes e constantes como Estátuas de mármore, não é necessário
trabalhar mais com eles. Há outras nações pelo contrário (e estas são as do
Brasil) que recebem tudo o que lhes ensinam, com grande docilidade e
facilidade, sem argumentar, sem replicar, sem duvidar, sem resistir; mas são
Estátuas de murta, que em levantando a mão e a tesoura o jardineiro, logo
perdem a nova figura, e tornam à bruteza antiga e natural, e a ser mato como
dantes eram. É necessário que assista sempre a estas Estátuas o mestre delas,
uma vez que lhe corte o que vicejam os olhos, para que creiam o que não vêem;
outra vez para que lhe cerceie o que vicejam as orelhas, para que não dêem
ouvidos às fábulas de seus antepassados; outra vez que lhe decepe o que vicejam
as mãos e os pés, para que se abstenham das ações e costumes bárbaros da
gentilidade. E só desta maneira, trabalhando sempre contra a natureza do tronco
e humor das raízes, se pode conservar nestas plantas rudes a forma não natural
e compostura dos ramos.
[ ] E
para se aproveitar e lograr o trabalho, há de ser com outro trabalho maior, que
é assisti-lo: há de assistir e insistir sempre com eles, tornando a trabalhar o
já trabalhado e a plantar o já plantado e a ensinar o já ensinado, não
levantando jamais a mão da obra, porque sempre está por obrar, ainda depois de
obrada.
Antonio
Vieira (1608-1697)
Sermão do
Espírito Santo, pronunciado em 1657 na Igreja da Companhia de Jesus, em São Luís do Maranhão. Em
Sermões, Tomo I, org. Alcir Pécora. Hedra, São Paulo, 2000.
O homem é um animal fazedor
O homem não faz nada segundo a natureza: é,
ouso me exprimir assim, um animal fazedor. Nada lhe agrada se ele não lhe dá um
tratamento: tudo que toca, ele precisa arranjar,
corrigir, aperfeiçoar, recriar. Para o prazer de seus olhos ele inventa
pintura, arquitetura, as artes plásticas, a decoração, todo um mundo de hors-d’oeuvre, sobre o qual ele não
saberia dizer a razão ou a utilidade, se não que é para ele uma necessidade de
imaginação, que isso lhe agrada. Para seus ouvidos, ele castiga sua linguagem,
conta suas sílabas, mede os tempos de sua voz. Depois, inventa a melodia e os
acordes, junta as orquestras a vozes potentes e melodiosas e, nos concertos
produzidos, crê escutar a música das esferas celestes e o canto de espíritos
invisíveis. Que lhe adianta comer apenas para viver? A sua delicadeza precisa
de disfarces, fantasias, um estilo. Ele acha quase chocante se alimentar: não
cede à fome, transige com seu estômago. Antes morrer de fome do que pastar a
sua comida. A água pura das rochas não é nada para ele: inventa a ambrosia e o
néctar. As funções de sua vida que não consegue dominar, ele as chama de
vergonhosas, desonestas, ignóbeis. Ele aprende a andar e a correr. Ele tem um
método para se deitar, se levantar, se sentar, se vestir, lutar, se governar,
fazer justiça; ele até encontrou a perfeição do horrível, o sublime do
ridículo, a ideia do feio. Enfim, ele saúda, se dá ao respeito, ele tem por sua
pessoa um culto minucioso, ele se adora como uma divindade...
Todas as ações, os movimentos, os discursos,
os pensamentos, os produtos, os afetos do homem têm esse caráter de artista.
Mas esta arte, é a prática das coisas que a revela, é o trabalho que se desenvolve;
de modo que quanto mais a habilidade do homem se aproxima do ideal, mais ele
próprio se eleva acima da sensação. O que constitui o atrativo e a dignidade do
trabalho é criar pelo pensamento, se livrar de todo mecanismo, eliminar de si a
matéria. Esta tendência, ainda fraca na criança inteiramente mergulhada na vida
sensitiva, mais marcante no jovem, orgulhoso de sua força e de sua agilidade,
mas já sensível ao mérito do espírito, se manifesta cada vez mais no homem
maduro. Quem não encontrou esses operários que uma longa assiduidade ao
trabalho tornou espontaneamente artistas, a quem a perfeição do trabalho era
uma necessidade tão imperiosa como a subsistência, e que, em uma especialidade
aparentemente mesquinha, descobriam de repente brilhantes perspectivas?
O
que nem a ginástica, nem a política, nem a música, nem a filosofia, reunindo
seus esforços, souberam fazer, o trabalho conseguiu. Como nas eras antigas, a
iniciação à beleza vinha dos deuses, assim, numa posteridade remota, a beleza
se revelará de novo pelo trabalhador, o verdadeiro asceta, e é às inúmeras
formas de habilidade que ela demandará sua expressão variável, sempre nova e
sempre verdadeira. Então, enfim, o Logos será manifesto, e os laboriosos
humanos, mais belos e mais livres como jamais o foram os Gregos, sem nobres e
sem escravos, sem magistrados e sem sacerdotes, formarão todos juntos, sobre a
terra cultivada, uma só família de heróis, de sábios e de artistas.
Proudhon, Pierre-Joseph (1809-1865)
Philosophie du Progrès. Introduction et notes par Th. Ruyssen. Rivière,
1946. p 422, (tradução
minha)
domingo, 22 de março de 2020
domingo, 8 de março de 2020
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