Para se realizar uma atividade qualquer, é
preciso que ela seja considerada boa e importante. Por isso, seja qual for a
situação de um ser humano, este forma necessariamente um conceito da vida em
que sua atividade lhe parece importante e bela.
Isto surpreende-nos quando se trata de
ladrões, de prostitutas e de assassinos, que se orgulham de sua habilidade, da
sua corrupção ou da sua crueldade
Geralmente, pensa-se que o ladrão, o
assassino, o espião e a prostituta devem envergonhar-se da sua profissão,
reconhecendo-a má. Mas a nossa surpresa deve-se a que o círculo de tais
pessoas é limitado e acima de tudo, ao fato de nos encontrarmos fora dele. Não
se produz afinal o mesmo fenômeno entre os ricos que se orgulham de suas
riquezas, isto é, dos seus roubos? Entre os militares, que se orgulham das suas
vitórias, isto é, dos seus crimes? E entre os seres poderosos que se orgulham
de seu poder, isto é, de suas violências? Não reparamos que estes seres deformam
o conceito da vida, do bem e do mal, para justificar a sua situação, apenas
porque o seu círculo é maior e nós próprios pertencemos a ele.
Leon Tolstoi (1828-1910)
Obra completa. Volume II. Ressurreição. Rio de
Janeiro, Editora Nova Aguilar S.A, 1976 p 853-854